Muestreo de imagen de sonido en Fear of a Black Planet

Resonancias vol.18, n°35, julio-noviembre 2014, pp. 47-60.
DOI: 10.7764/res.2014.35.4

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Resumen

En este artículo, discutimos el patrón de muestreo utilizado en el álbum Fear of a Black Planet, lanzado en 1990, por el grupo de rap norteamericano Public Enemy. Como hipótesis, asumimos la idea de que el uso de muestras establece otra discursividad, paralela y articulada a los discursos y contenidos expresados ​​en las letras de las composiciones. El uso de determinadas muestras, en cierto modo, crea un curioso “territorio de resignificación”, que trataremos de describir y problematizar. Por ello, en un principio nos dedicamos a la definición de la técnica del sampleo así como al reconocimiento de su importancia dentro de la cultura del rap y el hip hop. Luego, recurrimos a aportes teóricos muy concretos, que nos brindan, entre otros, Walter Benjamin (la noción de “cultura de choque”, por ejemplo), Vilém Flusser y el crítico literario español Eloy Fernández Porta (en este caso, la idea de “caída de nombres”). Concluimos con la ocurrencia de una arqueología muy particular de textualidades y discursos afirmativos.


 

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Pretendemos neste artigo refletir sobre o uso de samples no disco Fear of a Black Planet, lançado em 1990, pelo grupo norte-americano de rap Public Enemy. Os samples, tal como costumeiramente entendidos, são amostras de som retiradas de vinis, programas de rádio, tevê e/ou videogames, dentre tantas outras fontes sonoras, sincronizadas de modo a compor a trilha de fundo, a base musical e rítmica sobre a qual os rappers irão cantar e desenvolver os versos e as rimas de suas canções[1]. Trabalhamos com a seguinte hipótese geral: assim como se dá a composição de um discurso através das letras, os DJs também criam, complementarmente, uma outra discursividade no modo como sincronizam e diacronizam samples distintos, criando um curioso território de ressignificação. É este “território de ressignificação” que procuraremos descrever e problematizar.

Uma suposição menos abrangente, mais afinada aos aspectos concretos (materiais e situacionais) do caso em estudo, é a de que, através do álbum –a partir de agora denominado FBP, apenas–, o grupo implementa um tipo de ação afirmativa, um tipo de luta pela unificação de seu povo, que se realiza não só em função do discurso cantado, mas também, fundamentalmente, do uso de samples provindos da obra de artistas negros, de modo quase exclusivo.

É importante reconhecer, de saída, que FBP parece inspirar-se, mais ou menos implicitamente (às vezes, mais ou menos explicitamente), no temor que os nova-iorquinos brancos e conservadores sentiam, no final dos anos 1980, de que suas famílias fossem atingidas por processos de miscigenação racial (daí, numa tradução livre, “medo de um planeta negro”). Por outro lado, o título do álbum pode estar aludindo ao fato de que, eventualmente, os próprios negros também disputam e brigam entre si, como exemplificado na faixa “Pollywanacraka”, que fala sobre uma jovem negra que só sai (para encontros amorosos) com homens brancos ricos e sobre um negro que só procura (para os mesmos fins) garotas loiras de olhos azuis.

Na verdade, todas as faixas do disco estão voltadas para a situação da comunidade negra na periferia de Nova Iorque, no princípio de 1990 [2]. Embora estas alusões ao cenário sócio-político da época sejam, de fato, pertinentes e possam demandar desenvolvimentos temáticos pontuais, não objetivaremos, aqui, refletir sobre as condições sociais e a luta pela união dos negros contra a hegemonia branca nos EUA, ao término do século passado[3]. Esta grande tensão social, com suas disputas e seus atores particulares, irá figurar como um pano de fundo necessário para a compreensão dos métodos de composição musical do DJ do grupo, conhecido como Terminator X.

Podemos dizer que Terminator X, ao longo do disco, tenta fazer bem mais do que apenas construir a atmosfera e a ambiência sonoras para a lírica inflamada de Chuck D. e Flavor Flav. A princípio, percebemos que suas escolhas dialogam diretamente com os conteúdos abordados nas músicas. Em “911 is a Joke”, por exemplo, canção que critica o sistema de atendimentos de emergência nos bairros pobres de NYC, ouve-se, logo após o final do refrão, a conhecida risada diabólica do ator Vincent Price –aliás, uma das duas únicas vozes “brancas” presentes no disco, embora recuperada através da participação especial na canção “Thriller”, de Michael Jackson. Esta gargalhada irônica e aterradora, num só tempo, surge como se fosse provinda da vizinhança branca e abastada, sem importar-se, sem manifestar interesse algum, zombando da situação de necessidade e dos pedidos de maior consideração e auxílio dos bairros periféricos.

Impressiona a quantidade de samples que Terminator X consegue utilizar em uma única faixa. De acordo com o site Who Sampled [4], além da risada de Vincent Price, “911 is a Joke” contém outros 8 samples de canções gravadas entre 1972 e 1987. “Fight the Power”, uma das composições mais conhecidas do álbum, por sua vez, contém 18 samples, que abrangem o período de 1967 a 1988.

Mas o que é um sample, afinal? Segundo Baker[5], trata-se de tomar

uma porção (fraseado, riff, improvisação percussiva, etc.) de uma gravação conhecida ou desconhecida (ou um ruído retirado de um videogame, um medley efetuado com o teclado telefônico, um trecho de um discurso de Malcolm X ou Martin Luther King) e combiná-la com a mixagem geral (o sample era chamado de cut nos seus primórdios) (apud Rice, 2003, 454[6]).

De fato, o ato de samplear guarda semelhanças muito claras com o processo de montagem no cinema: trata-se de juntar pedaços de película e unificá-los, de modo a criar uma combinação narrativa e uma composição visual. Jacques Aumont (2004) comenta que os espectadores não estavam prontos para o choque perceptivo trazido pelos primeiros filmes. Segundo ele, foi necessário um tempo de adaptação para que compreendêssemos a montagem como um processo de ligação, de conjunção, estruturante da linguagem cinematográfica.

Muito antes de Aumont, no entanto, o próprio Walter Benjamin, por volta de 1930, já havia chamado a atenção para o potencial estético-político contido na técnica da montagem cinematográfica. “Por sua estrutura técnica”, disse ele, “o cinema libertou o efeito de choque físico que o dadaísmo ainda mantivera aprisionado em sua embalagem moral” (Benjamin 2012, 30). Assim, logo que nos habituamos, esta forma de experiência estética, fundada numa ruptura, numa associação, tornou-se até normativa, em alguma medida.

Benjamin chega a afirmar que a experiência do choque “tornou-se a norma” da vida moderna. Tanto na produção industrial quanto na guerra, nos embates bélicos, no campo de batalha, tanto nas multidões que ocupam as ruas quanto nos encontros eróticos, nos parques de diversão e nos cassinos, o choque –a “cultura do choque”, como fala Benjamin– mostra-se como a própria essência da experiência moderna. O ambiente tecnologicamente alterado, a partir da Modernidade, expõe o sensório humano a choques físicos [de toda ordem] que encontram correspondência [ou que se traduzem] no choque psíquico [...] (Buck-Morss 2012, 168).

Curiosamente, nos álbuns do Public Enemy há uma prática que parece se alimentar desta disposição ao corte, à quebra da cadência psíquica, que se aproxima, inclusive, do próprio Dadaísmo: em um disco de áudio, não se pode fazer algo como colocar um bigode na Gioconda, produzindo um tipo de intervenção crítica, nos moldes Dadá[7]; por outro lado, é possível fazer com que um radialista-branco-liberal “jogue à favor” dos desejos de um grupo de rap radical, redirecionando sua fala, empregando-a em outro arranjo, como ocorre na faixa “Incident at 66.6 FM”. Consta que Chuck D., um dos MCs do conjunto, havia sido entrevistado em um programa de rádio e teve de enfrentar ligações de ouvintes irritados e descontentes com sua atitude e suas pautas políticas e sociais. Mais tarde, Terminator X recortou trechos da entrevista e os rearranjou em uma das faixas de FBP, induzindo-nos ao reconhecimento das qualidades dadaístas do sampling no rap. Não se trata apenas de causar um efeito de choque, de brutalidade sonora, mas também de reorganizar o passado no presente, ressignificá-lo, retomando-o, juntando e incluindo cacos que, antes, não aparentavam ter maior importância. Enquanto os dadaístas operavam com bilhetes de metrô usados, tampas de creme dental e outros apetrechos da vida ordinária, Terminator X utiliza não só falas como estas –uma discussão pública num programa de rádio–, mas também efeitos sonoros de videogames, compondo uma larga sucessão de samples que, às vezes, duram menos de dois segundos cada[8].

Antes de avançarmos, vale insistir um pouco mais na condição destes arquivos de áudio que são reutilizados. Compreendemos aqui o conteúdo de todo registro fonográfico como imagem sonora. Quando tratamos de fonografia, estamos falando de uma técnica que transforma ondas sonoras que duram no tempo em um código que é impresso em uma matéria, em um suporte bidimensional. Das primeiras vitrolas elétricas ao Mp3, este processo de inscrição se alterou bastante, mas o princípio essencial ainda se mantém o mesmo: primeiro, vibrações de ar são capturadas por microfones sensíveis e são convertidas em pulsos elétricos; em seguida, marca-se uma superfície em forma de trilha, de acordo com tais pulsos, por analogia ou por codificação digital. O resultado é uma imagem que, vale salientar, não “representa” os sons que registrou. Por mais óbvio que pareça, vale dizer que, em si e por si, um registro fonográfico, como um vinil, uma fita cassete, um CD ou um arquivo em Mp3, não se “parece” nem um pouco com os sons que ouvimos.

No entanto, quando ligamos um aparelho capaz de interpretar as “imagens” que estão contidas nos registros, aí sim ouvimos algo que pode representar outros sons. O segundo procedimento técnico da fonografia faz, aparentemente, o caminho inverso, ou seja: um aparelho lê imagens técnicas, analógicas ou digitais, convertendo-as em pulsos elétricos; em seguida, alto-falantes sofrem choques dos pulsos elétricos, que os fazem vibrar, juntamente com o ar no entorno. É muito longo o caminho que começa, por exemplo, ao tocar um violão diante de um microfone até podermos ouvir sua gravação nos alto-falantes.

Segundo Vilém Flusser (2011a), se as imagens tradicionais são aquelas que abstraem tempo e profundidade, representando-as em um plano bidimensional (caso da pintura), as [imagens] técnicas dão um passo à frente, pois são produzidas por códigos unidimensionais (como o grão da fotografia ou o código binário da computação) –textos, portanto, no dizer de Flusser, que imaginam imagens, que, por sua vez, imaginam conceitos do mundo. O que ouvimos ao reproduzir um fonograma não é “o mundo” (uma banda tocando ao vivo), mas conceitos relativos ao mundo (a mixagem de gravações de vários músicos que, possivelmente, tocaram em tempos e espaços distintos, agora unidos em uma só trilha sonora, o que dá a impressão de uma banda tocando ao vivo).

Esses dados digitais, essas imagens técnicas que nos apresentam conceitos são impalpáveis; não são nem a coisa nem a representação da coisa a qual aludem. “Agora irrompem não-coisas por todos os lados, e invadem nosso espaço suplantando as coisas. Essas não-coisas são denominadas ‘informações’” (Flusser 2007, 54). E, como sabemos, são elas –são as “informações”– que têm valor no mundo pós-industrial em que vivemos. Por isso a importância de estudarmos as imagens técnicas, compreendidas aí, dentre elas, as próprias imagens sonoras. Afinal, são informações codificadas de modo diferente, alheias à linearidade regrada dos códigos escritos. Diz Flusser:

Graças a sua práxis, o produtor superou a linearidade do tempo. A linha da fita é para ele estrutura a ser modulada. Pode ele encurvá-la em círculos do eterno retorno, em elipses, em espirais, em vetores. Daí ser erro considerar-se a ação do produtor espécie de magia. O mágico pensa e age circularmente, o homem histórico linearmente. O produtor de filmes [e de áudio] pensa e age de forma para a qual linha e círculo não passam de duas estruturas igualmente disponíveis. A sua consciência supera magia e história igualmente (Flusser 2011b, 125).

Este é o modo como o DJ opera, muito literalmente: recortando, duplicando, copiando, estendendo e encurtando… Enfim, é possível lidar com a matéria sonora de modo que ela acabe por romper com as lógicas unidirecionais. E, sem dúvida, é preciso compreender esse novo modo de pensar e de proceder, que estaria demandando, como tal, até mesmo uma nova filosofia: “[...] a exigência que nos é colocada é a de saltar do nível da existência linear para um nível de existência totalmente abstrato, adimensional (para o ‘nada’)”, diz Flusser (2007, 177).

Pode-se pensar que o mesmo ocorre com as superfícies de registro e com as imagens sonoras gravadas em FBP. A superfície tem um limite do qual as ondas sonoras ali inscritas não podem passar, como se fosse o limite da capacidade pulmonar de um cantor. A matéria da qual ela é feita (vinil, cera, silício, acetato, acrílico...) também modela a ambiência sonora. São ácaros, poeiras, pêlos e riscos no disco de vinil que fazem soar os pops e cliques, mas há também o som que o próprio vinil produz ao ser arranhado pela agulha, que é indissociável desta mídia e de nenhuma outra mais. Esta é também uma das inevitáveis características da paisagem sonora das músicas de hip-hop e rap:

Em discussões em blogs e webzines, o hip hop [assim como o rap] também surgiu como ponto de referência: não apenas pelo papel do sampling, mas por causa do uso similar em ambos das ranhuras, estalos e chiados da superfície ruidosa do vinil, dirigindo atenção ao fato de você estar ouvindo a uma gravação feita de outras gravações. (Reynolds 2011b, 330[9]).

O ato de interferir no desenrolar programado do vinil (a orientação dada à agulha), manuseando o disco, invertendo o sentido, aumentando ou diminuindo a velocidade, chama-se scratching (em português, “arranhar”) e abre, para nós, uma possibilidade de aproximação entre as práticas dos DJs e dos pichadores[10]. A pichação é um exercício de intervenção semi-anônima nos muros das cidades. O autor em geral assina, com letras estilizadas, seu codinome ou o nome de sua gangue com spray ou rolo de tinta. Necessita manter-se anônimo aos olhos da lei, que proíbe este tipo de intervenção, independente dos muros serem públicos ou privados, sujos ou limpos. Para o bem ou para o mal, a pichação pode ser vista como um arranhão na cidade, e que, em geral, não deixa cicatrizes, pois se pode “curá-la”, resolvê-la, apagando-a, pintando por cima, logo em seguida. Mas cada arranhão modifica tudo ao seu redor, cada arranhão é um agente de desterritorialização: moradores podem se sentir intimidados, com medo da marginalização que acomete seu bairro; por outro lado, a comunidade de pichadores vai se unificando, crescendo e se espalhando, até pichar em locais inimagináveis, em especial no topo de arranha-céus em bairros de classe alta (Silveira 2012; Mittmann 2013).

Quanto ao scratch, somado ao sampling, ambos produzem, ao menos três modos de “arranhão” similares àqueles deixados pela pichação. O primeiro diz respeito ao material, propriamente: se mesmo o uso programado do vinil faz com que ele se desgaste, o scratch intensifica este efeito. Muitos artistas, insatisfeitos com os timbres produzidos pelo scratch, esfregam o disco no chão, de modo a aumentar os arranhões e, proporcionalmente, o ruído obtido.

Já a segunda forma de arranhão, de caráter simbólico, diz respeito à imagem sonora do registro utilizado. Assim como o pichador, ao buscar um muro que deseja assinar, o DJ está sempre atrás de um disco que deseja samplear. Entram em jogo questões de direito autoral e de permissão ou não por parte dos autores legalmente definidos[11]. Ocorre assim uma dupla assinatura: de um lado, o autor do disco usado; de outro, o DJ –o último interferindo sobre o trabalho do primeiro, de modo muito similar ao chamado “atropelo”, que ocorre no universo da arte urbana, quando um pichador assina por cima da marca ou da assinatura de outro, como se estivesse provocando-o, desacreditando-o. Também é um modo de ativar, no presente, imagens sonoras do passado, porém, não através da elaboração de uma lembrança singela, afinal, a proposta do sampling é o roubo, é a vandalização de uma imagem sonora anterior, seja de um passado remoto ou relativamente próximo.

A terceira modalidade de scratch que reconhecemos em FBP é um tipo de “arranhão social”: assim como a pichação nasce na periferia e cresce até chegar ao centro e aos bairros ricos das grandes cidades, o discurso construído pela colagem dos samplings, especialmente através do uso de discursos políticos de Malcom X, Martin Luther King Jr., ou dos grunhidos de James Brown, colaboram para fazer com que as vozes dos negros sejam ouvidas, de novo e de novo. Trata-se de um procedimento de reterritorialização, e que, parte por insistência, parte pela controvérsia, parte pela fama pública da qual se vale, chega aos alto-falantes dos jovens brancos de classe média-alta e acaba preocupando seus pais, como bem mostra a já mencionada “Incident at 66.6 FM”. FBP talvez tenha provocado tanto barulho em sua época quanto os “awopbaploopbapbopbamboom” de Little Richards, na década de 1950.

Aliás, no ápice do sucesso, entre o segundo e o terceiro álbuns (It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back, de 1988, e Fear of a Black Planet), o Public Enemy, por vezes, era criticado como “barulhento” demais, em todos os sentidos da palavra. Além das letras provocativas[12], também havia uma postura agressiva no palco, pois contavam com a presença da S1W ( Security of the First World), um grupo de colegas e/ou amigos que posavam como seguranças (e atuavam, às vezes, de fato, com tal), que apartavam brigas na platéia, ameaçavam fãs mais exaltados que tentavam subir no palco e, em vários momentos do espetáculo, marchavam exibindo Uzis de brinquedo.

É possível reconhecer o esforço de Terminator X para manter a música no mesmo tom, num mesmo encadeamento harmônico, utilizando grooves de baixo, por exemplo. Em vários momentos, contudo, as texturas não se relacionam adequadamente e aí ocorrem os choques sonoros. Quase não há espaço para respirar: o andamento é rápido, os samples não param de se sobrepor e, por vezes, Flavor Flav e Chuck D., os dois MCs, gritam simultaneamente, a voz de um pairando sobre a voz do outro, numa evidente disputa de espaço, isto quando suas próprias vozes não são sampleadas e sobrepostas.

Ao considerar esse cenário, cabe ainda dizer –um pouco a título de provocação, é verdade– que FBP é um disco punk. Aqui, “there’s no future”. Advoga-se uma política de urgência, de resolução imediata dos problemas do presente. Não há tempo para esperar uma geração futura. Mas se o discurso é todo voltado para o presente, que papel exercem então os samples, que são um típico material do passado (seja recente ou distante)? Seria o DJ uma espécie de arqueólogo da mídia sonora? Como vemos, é preciso refletir um pouco mais sobre o modo como o Public Enemy (Terminator X, mais precisamente) lida com o tempo e com a memória fonográfica.

Primeiro, percebemos que não se trata de uma mera tendência retrô. Para Reynolds, retrô “é o fetiche auto-consciente do estilo de determinado período [...] expressado criativamente através do pastiche e da citação” (2011b, xii-i[13]). Ou seja, FBP deveria explicitar uma obsessão fetichista por uma década, por um estilo musical, mas Terminator X perpassa toda a história da música negra, revisando fonogramas de 1950 a 1989[14].

Poderíamos complementar dizendo que o retrô é “uma paixão irônica, o local de fala dos colecionadores e estudiosos, que possuem um conhecimento gigantesco a respeito da era que cultuam” (Telles, Araújo e Conter 2012, 4). Em FBP, o passado não é evocado para ser colecionado, nem cultuado, mas reprocessado e abusado, como um muro que é pichado (retomando, mais uma vez, os paralelos relativos à pichação e ao grafite). Há uma dose de ironia injetada em cada disco que é sampleado.

Diferentemente do retrô, para Reynolds, haveria a “retromania”, que trataria mais do presente do que do passado que aparenta reviver. Ao aproximarmos pontos díspares do platô da cultura pop, o que importa efetivamente não é o “retorno” de tais estilos, mas sim o modo como retornam, criando novas formas e modificando, no presente, o passado para alimentar o futuro por vir (Telles, Araújo e Conter 2012).

No entanto, FBP teria algo mais a ver com a febre retromaníaca identificada por Reynolds? Com ressalvas, sim. É importante lembrar que a retromania é a marca da década de zero (2001 a 2010), enquanto que FBP foi lançado onze anos antes. E, mais importante, nesse disco, não se trata exatamente de um retorno do passado, mas de uma deturpação, um ato de violência dadaísta em relação a ele. As imagens sonoras são recortadas sem piedade. Em geral, são evocadas para não serem reconhecidas. Os ritmos de bateria, para exemplificar, são obtidos, muitas vezes, pela sobreposição de duas gravações diferentes, mas com andamentos similares. O background de FBP é carregado de passado, não como lembrança, nem como nostalgia, mas como uma retromania que age, insistimos, como o pichador de rua: as imagens sonoras do passado são anestesiadas e violentadas para modificarem o tempo presente. Como Chuck D. observa em entrevista concedida a Simon Reynolds,

Os sons que sampleamos vem de qualquer lugar. “Rebel Without a Pause”, por exemplo. Muitas pessoas disseram que aquele ruído vem de um grunhido de James Brown, mas eles não se deram conta de que era uma mistura do ruído com um trompete de Miles Davies, que produziu um som que ondulava. E então nós tomamos este som e o esticamos. O drone em “Terminator X Speaks” e “M.P.E.” é um caminhão de bombeiros de trás pra frente! (Chuck D. apud Reynolds 2011a, 48[15]).

Por esse motivo, há um paradoxo no modus operandi de Terminator X: por um lado, ele une as imagens sonoras da música negra, como um discurso, poderoso e metafórico, em prol da união de seu povo contra o poder branco; por outro, ele mascara algo dessas imagens, dificultando ao ouvinte reconhecer as fontes citadas. Sendo assim, como devemos compreender a arte de Terminator X, que leva o sampling a extrapolar seus limites, dialogando com o dadaísmo, com a música concreta, mas que titubeia entre a citação, a paráfrase, a pichação, o atropelo, a ressignificação?

Uma das possibilidades é a de entendê-lo a partir da técnica do name dropping, localizada por Eloy Fernández Porta (2007) ao examinar a literatura espanhola contemporânea. O autor parte de um objeto de estudo curiosíssimo: camisetas estampadas com textos escritos. Ele as interpreta como um tipo de literatura pós-midiática. Sabemos o que um fanático por Iron Maiden quer dizer para os transeuntes ao seu redor, num agrupamento urbano, quando veste uma camiseta preta da banda em questão. Do mesmo modo, sabemos o que o frequentador da Oktoberfest de Igrejinha (ou de Munique) quer dizer quando veste “Bebo Todas”. O primeiro busca autoafirmação; o segundo, um primeiro grau de autoafirmação irônica.

As camisetas só se tornam interessantes para Fernández Porta quando elas ultrapassam o estágio auto-afirmativo-cômico. O que um adolescente branco, super-protegido e bem alimentado, nos seus dezesseis anos de idade, quer dizer quando, em 1991, veste uma camiseta do Public Enemy (como ocorre com o filho de Sarah Connor, no filme Terminator 2)? Trata-se mesmo de um “uso irresponsável”, da parte de centenas de brasileiros, vestir RUN DMC sem saber que banda é (como ocorreu em 2013, quando o logo do grupo de rap estampou a coleção de uma conhecida loja de roupas)?

Qual é, em suma, a correta interpretação da camiseta? Que relação real mantêm um escritor com a cultura pop, e com que palavras ela o manifesta? A ironia do texto não permite uma explicação unívoca; por tanto, entra na categoria do que Booth denomina ‘ironia instável’ (Fernández Porta 2007, 55[16]).

Diferentemente do fã de Dead Kennedys que veste a camiseta da mesma banda, o fã de Dead Kennedys que veste camiseta do Green Day pretende provocar esta ironia instável. Para ele, está claro que o Green Day não compartilha os mesmos valores punk, mas ele acredita que Jello Biafra (líder dos Dead Kennedys) usaria ironicamente aquela camisa estampada para mostrar como o Green Day é uma banda sem atitude. Mas a ironia não é, necessariamente, dependente da intenção daquele que veste a camiseta. Ela pode surgir da simples imagem (uma imagem desestabilizadora, por certo) de um membro de uma determinada tribo subcultural usando uma camiseta de uma banda que desconhece ou que não se adequa ao seu próprio lifestyle. Usar uma camiseta ironicamente é um esforço por mascarar a origem da imagem nela impressa, é tomá-la de assalto, “pichá-la no atropelo” talvez, para fazê-la funcionar a favor, para trazê-la para outro discurso. Não se sabe precisamente o que esta camiseta significa naquele ambiente (Green Day x Dead Kennedys, por exemplo). Pois ela perde sua definição. Além disso, estamos diante de um discurso lúdico, um convite a um jogo de imagens conflitantes, um puzzle, um pensamento não-linear, de superfície, diria Flusser. Não há causa e consequência. Não se trata de simplesmente explicar “uso esta camiseta neste ambiente para significar X”. O que ocorre é que a imagem se mistura com as outras imagens ao redor, sincrônica e diacronicamente, como nas séries deleuzeanas (Deleuze 2007), para produzir diversas linhas de significação. “Como assinalou Harold Jaffe, a textualidade urbana –os grafites, os adesivos e especialmente as camisetas– constitui uma escritura conceitual e literária que excede as literaturas do livro: esse no-logo, em efeito, tem história” (Fernández Porta 2007, 53[17]).

Este tipo de uso desenvolve, portanto, um modo de linguagem específico, conceitual, que novamente podemos aproximar às práticas de sampleamento de Terminator X. Assim como uma festa cheia de pessoas usando camisetas diversas, cada música do Public Enemy é uma colcha de retalhos de samples, cada um agindo como um name dropped, jogado ali para agir e reagir em relação aos demais names dropped. O sample é como uma citação bibliográfica sem referência (a não ser que o ouvinte a reconheça de imediato). Não é uma crítica ao zeitgeist, mas uma atualização do passado. Um processo de diferenciação. “Devir nunca é imitar” (Deleuze e Guattari 2012, 113). Terminator X pensa em superfície, do modo como Flusser sugere: supera o pensamento mágico e linear, preferindo lidar com imagens técnicas. Cada sample, para ele, não é como um texto escrito, um discurso, mas um conceito. Se o nome próprio não pertence à linguagem, o sample também não pertence à linguagem musical, já que não pode ser transcrito numa partitura.

A noção de name dropping, de Fernández Porta, como dito, é empregada aqui também em função do modo como Deleuze entende o nome próprio. O nome próprio é usado com frequência na literatura contemporânea, como acusam Fernández Porta (2007) e André Araújo (2013, 60-66). Em ambos os casos, trata-se de um roubo. Em seu estudo, Araújo aponta quatro livros distintos[18], na literatura brasileira, em que Marilyn Monroe é atualizada de diversos modos: ora ela é imaginada como ainda viva, idosa, ex-presidente dos Estados Unidos, ora como um ser monstruoso capaz de parir milhares de crias de dez centímetros (ao passo que o personagem principal da trama é instado por Mickey Mouse e companhia a matá-la). Nesses livros, pessoas de verdade, existentes reais, são ficcionalizadas de forma que possamos contar outras histórias. Mas, é claro, algo de sua imagem midiática permanece.

Assim como a literatura brasileira contemporânea imaginou –em alguns de seus casos mais delirantes, ao menos– diversas Marilyns, em FBP, há diversos James Browns[19]. O rei do soul é, de longe, o nome próprio mais sampleado pelo Public Enemy. E não à toa, pois foi um personagem fundamental no reconhecimento da música negra dentro da cultura pop. Além disso, lutou pelo orgulho da comunidade negra: “Say it loud, I'm black and I'm proud!”. Então, mesmo quando o Public Enemy atualiza apenas um dos seus inconfundíveis grunhidos, todo o passado, toda essa memória-James Brown é atualizada. Sampleá-lo gritando “Hit me! Uh! I feel good!” é como acionar um nome próprio na literatura. Conforme suas imagens sonoras vão sendo revisitadas em FBP, observamos suas transformações, passando de crooner que rouba a cena, suado, dançando freneticamente, a uma espécie de segundo hype man[20]. Vários cantores e políticos (Malcom X e Martin Luther King Jr.) perdem seu posto de destaque para servirem como coadjuvantes de um inconfundível, emblemático e mutante Mr. Brown.

Mas eis que Fernández Porta levanta uma objeção: um argumento muito frequente “contra as narrações que tentam fazer uma crítica da cultura contemporânea”, segundo ele, é o de que “o excesso de nomes próprios desvirtua a narração, a torna demasiado fechada, demasiado ancorada em um tempo determinado” (Fernández Porta 2007, 75[21]). FBP evita tal equívoco ao formular uma crítica severa aos costumes e à cultura da época em que o disco foi lançado. Mais do que isso, mesmo hoje, um ouvinte que conheça um pouco da história da música negra e das lutas de Nova Iorque na década de 1980-90 conseguirá acompanhar os temas não apenas pelas letras, mas pelas construções de sentido agenciadas no padrão de sampleamento. Assim, efetua-se uma arqueologia da mídia sonora não para catalogá-la ou colecioná-la, mas para anestesiá-la, deturpá-la, inscrevendo-a (como uma pichação num muro: “Public Enemy”) nas superfícies fonográficas. Talvez seja esse um dos mais importantes legados deixados pelo álbum no que tange aos estudos sobre experiência estética e estética das mídias.

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Rose, Tricia. 1994. Black Noise. Rap music and black culture in contemporary America.

Middletown – Connecticut: Wesleyan University Press.

Schloss, Joseph G. 2004. “Sampling ethics”. Em Making beats: the art of sampled-based

hip- hop . Middletown: Wesleyan University Press.

Sewell, Amanda. 2014. “Paul's Boutique and Fear of a Black Planet: Digital Sampling and

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DOI: 10.1017/ S175219631300059X

Shusterman, Richard. 1998. Vivendo a Arte. O pensamento pragmatista e a estética

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Silveira, Fabrício. 2012. Grafite Expandido. Porto Alegre: Editora Modelo de Nuvem.

Silveira, Marcio Telles da, André Correa da Silva de Araujo e Marcelo Bergamin Conter.

2012. “O ReVirtual: retromania e a memória da memória da cultura de massa”. VI

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WhoSampled. Acesso: 12 Janeiro de 2014.

http://www.whosampled.com/Public-Enemy/Fight-the-Power


[*] Artigo produzido no âmbito da disciplina Estéticas da Comunicação, ministrada pelo prof. Dr. Fabrício Silveira, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no segundo semestre de 2013.

[1] Uma caracterização exaustiva do gênero musical, buscando seus delineamentos históricos, é algo que nos permitimos não fazer. Diversos estudos, muito consistentes, aliás, já se encarregaram disso. Richard Shusterman (1998), num desses trabalhos, diz que o rap derivaria de uma tradição oral muito forte. Nele, o trato com o discurso, com a textualidade seria muito prezado. No entanto, é interessante também que possa ser visto –Shusterman assim o faz– como um típico produto pós-moderno, cuja estética está fundada em técnicas de montagem (sampling), no uso de citações, no tratamento de materiais e circuitos midiáticos, na mistura eclética dos estilos, dando ênfase às situações vividas, social, espacial e temporalmente, mais do que em qualquer pretensão à universalidade e/ou à validade histórica. Douglas Kellner (2001), por sua vez, em outro escrito bastante conhecido, elenca as características definidoras do rap: 1. as apropriações tecnológicas; 2. a crítica à cultura do consumo; 3. a crônica cotidiana (marcada espacial e temporalmente); 4. o sexismo, o chauvinismo e a misoginia (referindo-se às mulheres rappers, como Queen Latifah e Sister Souljah); 5. a estratégia de política identitária; e 6. a proposição política radical. Atualmente, tais caracterizações podem ter sido remodeladas ou revistas. Permanecem, mesmo assim, como parâmetros aproximados, a partir dos quais podemos compreender o gênero e sua evolução histórica. Com estes propósitos, não podemos esquecer a clássica investigação de Tricia Rose, Black Noise –Rap music and black culture in contemporary America, publicada em 1994.

[2] Na década de 1990, a comunidade negra habitava predominantemente em Long Island, no Bronx e no Brooklyn, distritos da cidade de NY. O Public Enemy foi fundado em Long Island.

[3] A disseminação do rap, na segunda metade da década de 1980, deu-se muito em função do filme Faça a Coisa Certa, dirigido por Spike Lee, em 1989. Ou seja: desenvolveu-se na era Reagan, paralelamente ao declínio nas condições de vida nos bairros pobres, na periferia das grandes cidades norte-americanas, sobretudo Nova Iorque (Kellner 2001, especialmente o capítulo “A voz negra: de Spike Lee ao rap”, 203-252).

[5] Embora para os propósitos deste texto, a definição de Baker seja suficiente, vale lembrar que não há uma terminologia consistente para o estudo e análise de hip hop baseado em sampling, mas há vários autores com propostas diferentes, como bem constata Sewell (2014, 29).

[6] Tradução nossa. No original: “[...] a portion (phrase, riff, percussive vamp, etc.) of a known or unknown record (or a videogame squawk, a touch-tone telephone medley, a verbal tag from Malcolm X or Martin Luther King) and combining it in the overall mix (the ‘sample’ was called a ‘cut’ in the earliest days).

[7] Nos referimos aqui à conhecida intervenção feita por Marcel Duchamp num cartão-postal barato com a reprodução da imagem da Mona Lisa. Realizada em 1919, num café parisiense, Duchamp assinou a “obra”, datou-a e escreveu “L.H.O.O.Q.”. Com este título, a peça entrou para a história da Arte (Gompertz 2013, 248-250).

[8] O rap se coloca na tradição do jazz, do blues e do rock, alterando-a, entretanto, na medida em que agrega um tipo de trabalho composicional voltado à própria materialidade sonora, não à notação musical propriamente. No rap, compõe-se, de fato, colando e justapondo partes materiais, físicas de canções precedentes. Os músicos de rap não precisam necessariamente trocar instrumento algum, mas manusear equipamentos de som (Shusterman 1998).

[9] Tradução nossa. No original: “In blog and webzine discussions, hip hop [as rap] also came up as a reference point: not just for the role of sampling, but because of the similar use in both of the crackles, pops and hiss of vinyl surface noise, drawing attention to the fact that you were listening to a record made out of other records”.

[10] Katz (2012, 44) também faz uma aproximação entre rappers e grafiteiros, enfatizando as batalhas entre MCs, que disputam a atenção de um público, em comparação aos atos dos pichadores, que brigam por espaço e visibilidade nos muros da cidade.

[11] Schloss (2004) escreveu sobre relações éticas entre os DJs, como, por exemplo, evitar samplear uma música que já foi utilizada por outro DJ.

[12] Kellner (2001) identifica o que chama de um “efeito-rap”: quanto mais ofensivo é um artista, mais consumido e mais comentado será. Cita o caso de Ice Cube, que, na letra de uma de suas canções, se refere ao chefe de polícia de Nova Iorque, Darryl Gates, dizendo que “vai quebrar seu espinhaço”, “chutar sua bunda até sentir cheiro de merda”. O refrão da letra é o seguinte: “Meta-se com Ice Cube e você vai se ferrar rapidinho, seu porco”.

[13] Tradução nossa. No original: “The word ‘retro’ has a quite specific meaning: it refers to a self-conscious fetish for period stylisation (in music, clothes, design) expressed creatively through pastiche and citation”.

[14] Como Sewell (2014, 39) salienta: “Ao comentar sobre, ‘Fight The Power’, a última faixa de Fear of a Black Planet, Chuck D alegou que ‘aquela música contém muita história da música negra americana, contemplando um período de 25 anos. [...]’”. No original: Of ‘Fight the Power,’ the final track on Fear of a Black Planet, Chuck D has said, ‘That song contains a great deal of black music history from a twenty-five year period [...].’”

[15] Tradução nossa. No original: “The sampled sounds come from anywhere. Take ‘Rebel Without a Pause’. A lot of people said that noise came from a James Brown grunt, but what they didn't realize was that it was a blend of the grunt and a Miles Davis trumpet, which produced a sound that wavered. And then we took that tone and stretched it. The drone on ‘Terminator X Speaks’ and ‘M.P.E.’ is a backwards fire truck!

[16] Tradução nossa. No original: “¿Cuál es, en suma, la correcta interpretación de la camiseta? ¿Qué relación real mantiene un escritor con la cultura pop, y con qué palabras lo manifiesta? La ironía del texto no permite una explicación unívoca; por tanto, entra en la categoria de lo que Booth denomina ‘ironía inestable’”.

[17] Tradução nossa. No original: “Como señaló Harold Jaffe, la textualidad urbana –los grafitis, las pegatinas y especialmente las t-shirt– constituye una escritura conceptual y aun literaria que excede las literaturas del libro: ese no-logo, en efecto, tiene historia”.

[18] São eles: Panamérica, de José Agrippino de Paula; O dia que Ernest Hemingway morreu crucificado, de Roberto Drummond; Não há nada lá, de Joca Reiners Terron, e Inverdades, de André Sant’anna.

[19] E não apenas pelo Public Enemy. James Brown é o artista mais sampleado dentre todos os que constam no banco de dados do site WhoSampled, totalizando 4008 samples utilizados em outras músicas. Em segundo lugar, vem o Public Enemy, com 1625 samples utilizados por outros artistas (http: //www.whosampled.com/most-sampled-artists/1/. Acesso: 31 de julho de 2014).

[20] O hype man é o membro de um grupo de rap que dialoga com o MC. Enquanto o último costuma cantar os trechos fundamentais do rap, o hype man reitera versos, agita o público e colabora para uma maior intensidade sonora, ocupando os respiros do MC. No caso do Public Enemy, Chuck D. é o MC, com sua voz barítona, enquanto Flavor Flav é o hype man, contrastando com seu timbre de tenor.

[21] Tradução nossa. No original: “contra las narraciones que intentan hacer una crítica de la cultura contemporânea [...] el exceso de nombres proprios desvirtúa la narración, la hace demasiado fechada, demasiado anclada en un tiempo determinado”.


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Bergamin Conter, Marcelo y Fabrício Lopes da Silveira. 2014. "Sampleamento de imagens sonoras em Fear of a Black Planet". Resonancias 18 (35):47-60.

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