“Por un frente único de las vanguardias musicales latinoamericanas”: el giro latinoamericano en el Festival Música Nova del III Festival de Música de América y España

Resonancias vol. 26, n° 50, diciembre-junio 2022, pp. 77-98.

DOI: https://doi.org/10.7764/res.2022.50.5

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Resumen

En 1970, el compositor brasileño Gilberto Mendes fue invitado a participar en el III Festival de Música de América y España en Madrid, que reunió a compositores de varios países de América Latina, Estados Unidos, Canadá y España. Para Mendes, este festival fue fundamental para establecer un acercamiento entre los compositores latinoamericanos, más específicamente entre los brasileños y otros países de habla hispana, que, en su opinión, hasta ese momento todavía se conocían poco. A partir de ese año, aumentó la participación de compositores latinoamericanos en el Festival Música Nova, creado por Gilberto Mendes en 1962 en Santos. Mediante el análisis de fuentes primarias como programas de conciertos y testimonios, este trabajo demuestra la importancia del Festival de Música de América y España para el desarrollo de un proyecto de integración de la música de vanguardia latinoamericana, iniciado en el Festival Música Nova y ampliado en los Cursos de Música Contemporánea Latinoamericana.


I. Introdução

*

A ideia de uma possível integração entre países da América Latina no campo musical, partindo do pressuposto de que o bloco compartilharia entre si certas afinidades culturais e políticas marcadas pelo passado colonial e suas reverberações no presente, começa a se materializar por volta da década de 1930.

De acordo com Palomino (2020), somente a partir desse momento a compreensão da América Latina enquanto um espaço culturalmente distinto viria a se estabelecer. O autor diz que, até esse momento, “nenhuma das categorias usadas para definir a América Latina era a cultural” (Palomino 2020, 7). Ao contrário, aponta que “a ideia de América Latina como uma região foi forjada ao longo de dois séculos pelas guerras imperiais e anticoloniais, reformismo político e ideologias raciais” (Palomino 2020, 3), sendo esta, portanto, uma categoria de âmbito geopolítico.

Palomino (2020) considera a década de 1930 como o momento da “invenção” da música latino-americana, ou seja, o momento em que se consolida a ideia de que a América Latina possuiria uma identidade cultural e que esta poderia ser compartilhada. O autor atribui o estabelecimento dessa ideia a iniciativas americanistas que vieram desde as primeiras décadas do século XX e que, no campo da música, confluíram na atividade de Francisco Curt Lange com seu Boletim Latino-Americano de Música (1935-1946).

O musicólogo Juan Pablo González identifica três momentos históricos marcantes no estabelecimento de uma ideia de integração latino-americana. O primeiro foi a atuação de Curt Lange que, com o Boletim, começou uma agenda de integração até então inexistente, por meio de quatro estratégias:

Compartilhar a tarefa editorial, revezando as cidades onde se publicava o boletim – Rio de Janeiro, Lima, Montevidéu e Bogotá –; somar contribuições de pesquisadores e compositores de distintos países latino-americanos; incluir tanto artigos de investigação como partituras de música contemporânea e histórica da América Latina; e dar igual importância à música de tradição escrita de distintos períodos históricos e à de tradição oral, tanto vigente quanto extinta, embora sem prestar atenção à música popular urbana (González 2016, 27).

Curt Lange foi responsável por uma série de iniciativas que davam início a uma organização sistêmica de fontes musicais na América Latina, realizando seu intercâmbio através de seu próprio trânsito entre esses países. Alguns exemplos de suas iniciativas são o Instituto Interamericano de Musicologia, fundado em 1938 em Montevidéu, o Departamento de Musicologia da Universidade Nacional de Cuyo, criado em 1948 em Mendoza, além da criação de discotecas públicas no Brasil e de sua atuação em torno de fontes da música antiga de Minas Gerais.

Daniela Fugellie (2018) destaca a importância da figura de Curt Lange com seus Boletins Latino-Americanos de Música para o estreitamento entre compositores ligados ao dodecafonismo no início dos anos 40. A autora salienta que foi Curt Lange quem começou a divulgar as obras do argentino Juan Carlos Paz,[1] além de colocá-lo em contato com Hans-Joachim Koellreutter, alemão recém-chegado ao Brasil e que começava a organizar no Rio de Janeiro um movimento em torno da difusão da música antiga e contemporânea no Brasil, denominado Música Viva. Segundo a autora, foi por meio desse intercâmbio que Juan Carlos Paz passou a ser “conhecido no Brasil como pioneiro da dodecafonia latino-americana” (Fugellie 2018, 173).

Com a “descoberta” da América Latina pelos Estados Unidos da América, a noção de Interamericanismo veio se sobrepor à ideia do Americanismo Musical. O Interamericanismo é marcado por uma atuação de musicólogos estadunidenses ou integrados à academia daquele país que começam a produzir leituras mais amplas sobre as Américas e mais especificamente sobre a América Latina. Algumas dessas figuras foram Charles Seeger, Robert Stevenson e Gérard Béhague. A participação de órgãos como a Pan American Union e sua seção musical Inter-American Music Center proporcionou um alto investimento de recursos na pesquisa e divulgação das músicas das Américas, com a publicação de livros, catálogos, boletins, além da edição discográfica de música latino-americana. González complementa:

Essa incessante atividade editorial interamericana realizada a partir dos Estados Unidos irá somar-se à aparição de fundações que concedem bolsas para a realização de estudos de pós-graduação nos EUA e trabalhos de pesquisa e criação musical, bolsas que também concederá a OEA (González 2016, 34).

O conceito de Interamericanismo é, segundo o autor, “herdado dos debates que buscavam articular os esforços hemisféricos para assegurar a paz no continente americano em tempos de Segunda Guerra Mundial”, que viria rapidamente a expandir-se para o âmbito cultural e, consequentemente, musicológico (González 2016, 33).

O terceiro momento demarcado por Juan Pablo González é o dos Estudos Latino-Americanos como um campo multidisciplinar surgido na academia anglo-saxônica e que veio impactar os estudos musicológicos e os modos de interação entre a prática e reflexão musicais na América Latina.

Os momentos destacados por Juan Pablo González nos revelam como o desejo por uma integração musical e musicológica latino-americana, em diferentes instâncias, já estava posto desde meados dos anos 1930 com a atuação de Curt Lange. É nesse contexto que surgem importantes festivais que tentaram promover uma integração latino-americana no campo da composição musical.

Dentre essas iniciativas, destacam-se os Cursos Latinoamericanos de Música Contemporánea (Clamc) criados em 1971 pelo uruguaio Coriún Aharonián, tendo Graciela Paraskevaídis (Argentina/Uruguai), Mariano Etkin (Argentina), Héctor Tosar (Uruguai), Conrado Silva (Uruguai/Brasil) e José Maria Neves (Brasil) como parte do núcleo formador inicial (Paraskevaídis 2014). Segundo Paraskevaídis (2014), os Clamc surgem como uma forma de continuidade das atividades musicais realizadas pelo Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales (Claem) do Instituto Di Tella de Buenos Aires, criado em 1961 e que, por meio de bolsas de estudos, foi responsável pela formação de importantes nomes da música latino-americana.[2] Desse modo, com o encerramento das atividades do Claem em 1971, os Clamc visaram manter e aprimorar a formação musical na América Latina por meio de edições itinerantes e organizadas sempre com um sentido comunitário, situando-se, assim, “nas antípodas do autoritarismo hegemônico e o sofisticado endeusamento dos Cursos Internacionais de Verão de Darmstadt” (Paraskevaídis 2014, 2).[3] Portanto, os Clamc, que durariam até 1989, já nasceram com a intenção de integração da música de vanguarda latino-americana e como um marco de resistência à opressão das ditaduras que se instalavam por toda a América Latina.[4]

Como poderá ser visto ao longo deste texto, a dimensão política antiditatorial perpassa os intercâmbios entre os compositores latino-americanos no momento estudado, podendo ser mais explícito, como ocorria nos Clamc, ou de modo mais velado, como demonstraremos no caso do Festival de Música de América y España.

Entretanto, alguns anos antes dos Clamc o Festival Música Nova já vinha atuando, de modo mais localizado, na introdução da música de vanguarda latino-americana no Brasil, fato que, como veremos adiante, se intensificou a partir da década de 1970.

O Festival Música Nova surgiu em 1962 como o primeiro espaço para a produção e divulgação da música de vanguarda no Brasil, e segue em atividade até os dias de hoje, tendo sido realizada sua 55ª edição no ano de 2021, embora com orientação já bastante diferente de seu período inicial, naturalmente adaptado à nova realidade estética do século XXI.

Tem sido objeto de estudo privilegiado entre estudiosos da música contemporânea no Brasil, especialmente entre músicos-pesquisadores que participaram ativamente das edições do evento e criaram laços de amizade com seu organizador Gilberto Mendes, como por exemplo Antonio Eduardo Santos (2003, 2016), Teresinha Prada Soares (2006), Diósnio Machado Neto (2007, 2021) e Anselmo Guerra (2014), apenas para citar alguns.

Para além do referencial supracitado, nossa pesquisa se nutre das informações recolhidas em fontes primárias, tais como entrevistas e relatos, crítica em jornais e, sobretudo, no grande volume de programas de concertos do Festival Música Nova.[5]

II. Gilberto Mendes e o Festival Música Nova

Em 1962, por ocasião das comemorações dos 40 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo, a prefeitura da cidade portuária de Santos convidou os compositores Gilberto Mendes e Willy Corrêa de Oliveira para organizarem uma mostra de música que se juntaria a outras exibições artísticas. Dessa iniciativa nasceu a Semana de Música Contemporânea, que receberia diversas denominações até se estabelecer, a partir de 1971, como Festival Música Nova.[6]

Àquela altura, Gilberto Mendes, em seus 40 anos, ainda era um compositor iniciante e desconhecido. Mendes começou seus estudos musicais tarde, já por volta dos 18 anos de idade, tendo que conciliar sua atividade de compositor com a profissão de bancário que exercia na Caixa Econômica Federal, de onde retirava todo seu sustento. Com isso, o tempo dedicado à composição era exíguo, e sua inserção no meio musical somente começou na década de 1960, quando, dentre outras atividades, começou a organizar o Festival Música Nova.

O concerto que deu origem ao Festival Música Nova (Figura 1) foi a reexibição de um programa apresentado pela Orquestra de Câmara de São Paulo durante a VI Bienal de São Paulo em 1961. Esse concerto reuniu pela primeira vez quatro jovens compositores que começavam a aparecer no cenário da música contemporânea em São Paulo: Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Damiano Cozzella e Rogério Duprat.

Figura 1/ Programa da primeira edição do Festival Música Nova, 1962. Fonte: Acervo Madrigal Ars Viva.

Esses compositores se reuniram em torno de George Olivier Toni, maestro da Orquestra de Câmara de São Paulo que, além de lhes orientar em seus estudos, ainda lhes deu a oportunidade de estrear algumas de suas obras. Assim, esses compositores assumem uma atuação coletiva em concertos e eventos, formando o que viria a ser conhecido como Grupo Música Nova. O lançamento oficial do Grupo, no entanto, ocorreu somente no ano seguinte, em 1963, com a publicação de seu “Manifesto Música Nova” na Revista Invenção, um periódico editado pelos poetas concretistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, apoiadores e entusiastas da música que esses compositores vinham desenvolvendo.[7] Configura-se como um importante documento pois registra um pensamento de época. Nele estão determinados os princípios norteadores da prática e pensamento desses compositores, além de apontar, ainda que de modo implícito, seu posicionamento contrário à hegemonia do nacionalismo musical.

O documento inicia-se com a seguinte frase: “compromisso total com o mundo contemporâneo” (Cozzella et al. 1963). Essa frase demarca um claro posicionamento desses compositores pelo tempo presente, em antítese à dominação e imposição do nacionalismo musical. Em sua defesa pela arte do presente, os autores defendem o global como a expressão do real, sendo este um novo paradigma frente às noções de “local” ou “nacional”. Com isso, buscavam se alinhar às novas tendências da música europeia e estadunidense, entendendo que não havia nisso qualquer traição ao seu país, mas sim a compreensão de que a música não deve se limitar às fronteiras geográficas.

Os membros do Grupo Música Nova defendiam a possibilidade de se fazer uma música brasileira cosmopolita, que não estivesse fadada a reproduzir determinados padrões ritmico-melódicos para caracterizar uma suposta brasilidade. Embate semelhante aconteceu alguns anos mais tarde no âmbito da música popular, entre uma ala da MPB (Música Popular Brasileira) ligada às canções de protesto e os rebeldes da Tropicália – movimento que contou com a participação de elementos do Grupo Música Nova.

No “Manifesto Música Nova”, o concretismo é entendido como a mais atual etapa das artes naquele momento. É importante ressaltar que a palavra “concretismo” está relacionada não à música concreta da linha de Pierre Schaeffer, mas ao concretismo nas artes plásticas e na poesia, que era, de fato, o movimento mais vanguardista naquele momento no Brasil.[8] Ou seja, havia o desejo de alcançar na música a mesma atualidade observada nas outras linguagens, sobretudo no aspeto da emancipação da forma em relação ao conteúdo.

Com relação ao passado musical, para os autores só haveria validade em revisitá-lo se através dos novos conhecimentos tecnológicos e para buscar o que este passado poderia contribuir aos problemas atuais. Com isso, abandonam o saudosismo pelo repertório canônico e o buscam apenas como meio de reflexão sobre o tempo presente. É sintomático como isso se dá em suas músicas, por exemplo, quando Gilberto Mendes compõe um moteto de caráter renascentista em que utiliza diversas explorações vocais como gritos, gemidos e até um arroto, na peça Motet em Ré Menor, mais conhecida como Beba Coca Cola de 1967 sobre poema de Décio Pignatari. Ou seja, o compositor recorre a uma linguagem do passado para construir uma nova realidade.

Também defendem a “elaboração de uma teoria dos afetos baseada no equilíbrio entre informação semântica e informação estética” (Cozzella et al. 1963). Essa nova teoria dos afetos seria composta pelos signos da modernidade, elementos da cultura de massas, da nova realidade urbana, juntamente com a vanguarda. Assim, alcançariam o almejado equilíbrio entre o signo novo e a comunicação. Para empreender esse projeto, alguns desses compositores mergulharam no universo da publicidade, trabalhando com jingles, trilha sonora para filmes, comerciais e todo tipo de atividade que poderia ser vista como “menor” pela “alta cultura”; outros optaram por incorporar os elementos da vida moderna à sua prática composicional, sem, contudo, abandoná-la por completo. Diferentes soluções foram buscadas para um projeto em curso.

Essa breve passagem pelo “Manifesto Música Nova” ajuda a entender que alicerces estéticos fundamentaram o Festival Música Nova em seu surgimento. Tais compositores estavam comprometidos com o signo novo, com um fazer musical alinhado às novas técnicas e estéticas, como o dodecafonismo, o serialismo, a música eletroacústica, a aleatoriedade, o teatro musical, entre outros.

Nesse sentido, o Festival Música Nova se configurou como uma trincheira em defesa de uma música que não possuía meios de difusão fora daquele espaço, uma vez que o academicismo nacionalista se mantinha no poder institucional dos principais teatros e espaços de prática musical de concerto do Brasil. A respeito do papel que o evento teve na promoção da música de vanguarda no Brasil, aponta Carla Souza:

A estratégia de criar um evento anual do porte do Festival Música Nova foi vital para a sustentabilidade da estética da neue musik em solo brasileiro e também se constituiu em um espaço privilegiado para que Gilberto Mendes e seus pares mostrassem suas composições, possibilitando que elas fossem estreadas e tocadas. Sendo o festival um dos poucos espaços constituídos para divulgar a música contemporânea na América Latina, ele se configurava como uma forma eficaz de estabelecer relações com músicos e adeptos da estética de vanguarda do exterior que começaram a frequentá-lo, estabelecendo-se, dessa forma, uma série de relações de trocas e reciprocidade entre Gilberto Mendes, desde o início diretor do evento, e outros compositores de fora, que passaram a realizar performances de músicas do compositor santista para além do território brasileiro (Souza 2013, 123-124).

As primeiras edições do Festival Música Nova apresentaram uma miscelânea do repertório europeu do século XX, indo de Claude Debussy, Maurice Ravel, Benjamin Britten, Darius Milhaud, passando por Arnold Schoenberg e Igor Stravinsky e chegando até os mais contemporâneos Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, Hans Werner Henze, Henri Pousseur e Witold Lutoslawski, dentre outros. Junto a isto, eram também apresentados jovens compositores brasileiros, sobretudo aqueles vinculados ao Grupo Música Nova, mas também a música de figuras como Ernst Widmer e os compositores da Bahia. Durante os primeiros anos, não houve a presença de qualquer compositor nacionalista, embora Heitor Villa-Lobos, que trabalhou ostensivamente com o folclore brasileiro, figure já na programação da segunda edição.[9]

Na edição de 1968, aparece a primeira menção a compositores ibero-americanos; de um lado, a música do português Jorge Peixinho e dos espanhóis Luis de Pablo e Ramón Barce; de outro, a presença da música do chileno José Vicente Asuar, do peruano César Bolaños e do uruguaio Conrado Silva. O programa desta edição indica o objetivo de oferecer um melhor conhecimento da música nova latino-americana no Brasil. Ainda nessa edição, ocorreu um debate intitulado “por uma frente unida das vanguardas musicais latino-americanas” indicando já uma intenção de integração latino-americana por parte de Gilberto Mendes que, entretanto, somente se intensificou a partir de sua participação no III Festival de Música de América y España em 1970. Até então, ainda houve a execução da música de outros compositores de países latino-americanos, como Mario Lavista (México) e Mesias Maiguashca (Equador). Porém, com exceção de Conrado Silva, nenhum desses ainda havia participado presencialmente do Festival.

É evidente que Gilberto Mendes sabia da existência de uma música de vanguarda sendo produzida na América Latina, e, se nos primeiros anos não houve a presença física desses compositores em seu festival, isso se deu não tanto por falta de contato (embora este também fosse um problema naqueles tempos), mas sobretudo pela falta de condições financeiras para tal feito. O Festival Música Nova nasceu em tempos conturbados no Brasil, num período de instabilidade política que culminou no Golpe Militar em 1964 que faria o país agonizar uma ditadura pelos 21 anos seguintes. Nesse sentido, toda perspectiva de investimento em cultura que estava no horizonte há apenas alguns anos, tendo a criação de Brasília como símbolo máximo de modernidade, passa para segundo plano; a partir desse momento, o investimento cultural será paulatinamente destinado a programas culturais ufanistas ou, em último caso, alienantes.

Dentro da política cultural do Regime Militar, evidenciou-se uma tensão entre cultura e desenvolvimento. Havia uma política desenvolvimentista, voltada para a economia e tecnologia, que não era acompanhado pela ideologia do plano cultural, que esteve voltada para os valores tradicionais. Renato Ortiz (1985) aponta que essa distinção reformulava a noção proposta por Gilberto Freyre (1941) entre cultura e técnica, na qual a cultura seria o acúmulo dos valores do passado enquanto a técnica estaria relacionada ao desenvolvimento. Segundo Ortiz (1985), aqui se delineia a distinção entre o popular e o massivo, na qual o popular seria a memória nacional, a tradição, enquanto o massivo –produto da modernização – seria responsável por deturpar a cultura nacional. Essa oposição demonstra bem as contradições internas daqueles anos. Enquanto no período do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) o desenvolvimento econômico e industrial era acompanhado pelo incentivo à modernização no plano cultural (poesia concreta, arte concreta, bossa nova, arquitetura moderna etc.), na década seguinte a cultura caminhou para um caminho oposto ao desenvolvimento, voltando-se aos valores tradicionais (moral e esteticamente).[10]

A partir do Golpe Militar de 1964, um novo programa de cultura foi elaborado. Foi criado o Conselho Federal de Cultura (CFC) com a participação de intelectuais conservadores, apoiadores do Regime e provenientes dos Institutos Históricos e Geográficos e das Academias de Letras (Ortiz 1985). Esse programa recorreu à noção de mestiçagem desenvolvida sobretudo por Gilberto Freyre, não tanto em relação à mestiçagem racial, mas sim por sua possibilidade de justificar o argumento de uma suposta diversidade cultural. Assim, o programa se estruturava em torno da ideia de que o Brasil tinha uma grande diversidade cultural e que, ao Estado, cabia a função de garantir a unidade dessa diversidade. Esse programa se autoproclamava democrático na medida em que “permitia” a convivência de diferentes expressões culturais, reforçando sua diferença do regime soviético que seria supostamente autoritário por propor uma “cultura para todos” e não uma “cultura para cada um” (Ortiz 1985, 96). Assim, o CFC estaria construindo uma identidade brasileira sincrética, na medida em que supostamente abraçava toda a riqueza cultural brasileira em sua diversidade.

É evidente que, por trás desse discurso, havia o aparelho opressor do Estado. A censura determinava quais eram os valores que poderiam representar a identidade brasileira e quais deveriam ser apagados. Assim, Ortiz demonstra que essa identidade foi construída a partir da preservação e recuperação de valores, expressões e manifestações configurados no passado da história brasileira. Há, portanto, uma forte noção museológica da cultura, em que ela é vista, sobretudo, como “o conjunto de valores espirituais e materiais acumulados através do tempo” (Ortiz 1985, 96). Desse modo, a defesa e preservação da memória (de certa memória) passou a ser a tônica da política cultural do Estado, se configurando sobretudo em um programa de segurança nacional, na medida em que a identidade brasileira dependeria desses bens para permanecer viva. Nesse sentido, a agenda cultural dentro da Ditadura Militar se dedicou a preservar e exaltar valores do passado, sobretudo valores éticos e morais que reforçavam princípios patrióticos ligados à família, religião e propriedade.

Diante dessa nova configuração política, está claro que um festival voltado à música de vanguarda, organizado por figuras de passado “subversivo”, jamais seria beneficiado nesse novo momento político. De fato, o Festival Música Nova sofreu com esse rearranjo; em 1965 deveria acontecer a quarta edição do evento, que foi cancelado e somente retomado em 1968, quando reaparece com o nome de Semana de Música de Vanguarda. Após esse hiato, o Festival Música Nova resistirá apesar de uma política de boicote que visava sufocar aquelas expressões culturais questionadoras. Se, por um lado, o Festival Música Nova não era explicitamente político, por outro, seus agitadores eram todos vinculados à esquerda, sendo que Gilberto Mendes havia pertencido a uma célula do Partido Comunista em sua juventude, de forma clandestina, já que o partido era proibido.

Entretanto, diferente da canção popular, em que a mensagem política é transmitida instantaneamente por um texto (e algumas vezes por certos gêneros e/ou modos de performatividade), a música de vanguarda trabalha os conteúdos em outra chave de leitura, em que a comunicação geralmente não é imediata, pois os conteúdos são implícitos e carecem de uma decodificação que normalmente está no conceito ou explicação da obra. Isso não impediu que a censura frequentasse os concertos do Festival, gerando tensão entre seus participantes, embora, conforme aponta Soares (2006, 44), nada de grave tenha acontecido porque os censores não tiveram capacidade de discernir o teor político das obras.

Na medida em que o Festival Música Nova ia se tornando conhecido no Brasil, Gilberto Mendes passou a ser visto como uma figura de destaque no meio musical. Isso pode explicar o fato de ter sido convidado em 1970 para integrar o III Festival de Música de América y España, em Madri, ao lado de Almeida Prado, Marlos Nobre e Osvaldo Lacerda.

III. Festival de Música de América y España

O Festival de Música de América y España foi um evento idealizado e promovido pelo Instituto de Cultura Hispânica e pela Divisão de Música da Pan American Union, e contou com três edições: a primeira em 1964, a segunda em 1967 e a terceira e última em 1970. Para além das agências organizadoras, o evento contou com forte apoio institucional do governo espanhol e de organizações internacionais de diferentes procedências. De acordo com Moro Vallina (2012), esse festival foi o empreendimento mais ambicioso dentro do meio musical espanhol nos anos 1960. A ideia para a realização de um festival em Madri que congregasse a música espanhola e latino-americana surgiu em 1961 durante a segunda edição dos Festivais Interamericanos de Washington, evento trienal realizado na capital estadunidense (Moro Vallina 2012). Os festivais eram realizados em anos diferentes, de modo a criar uma agenda intercalada que permitisse uma continuidade e intercâmbio mais consistentes.

A primeira edição do Festival de Música de América y España em 1964 contou com uma retrospectiva sobre a vida e obra de Manuel de Falla, compositor mais representativo de uma identidade nacional espanhola na música. Ao todo, a edição contou com a exibição de 44 obras representando grande diversidade de nações, com várias estreias mundiais, outras tantas estreias europeias, e primando por uma diversidade estética que reuniu tradicionalistas e vanguardistas.

Em relação à presença da música brasileira, foi apresentada logo na abertura da primeira edição a Sinfonia Nº 12 (1957) de Villa-Lobos pela Orquestra Nacional da Espanha sob regência de Guillermo Espinosa, marcando um prestígio da música brasileira diante da programação internacional. O país ainda foi representado naquela edição por Camargo Guarnieri com sua obra Variações sobre um Tema Nordestino (1953) executada pela Orquestra Sinfônica de Madri, Coro da Rádio Nacional de Espanha e Yara Bernette ao piano.

A segunda edição, em 1967, contou com a participação de 62 compositores, cada qual apresentando uma obra e representando um total de 13 países. Moro Vallina (2012) ressalta o paradoxo de que, apesar das críticas à primeira edição por sua extensão, a segunda ter sido ainda mais extensa. O autor aponta que a segunda edição “se valorou mais por sua internacionalidade e por ter conseguido uma continuidade real em relação ao anterior” (Moro Vallina 2012, 156).[11] Da delegação brasileira, a segunda edição contou com a participação do Quarteto Oficial da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil[12] que fez dois programas: o primeiro, no dia 23 de outubro, contou com as obras Quarteto de Cordas Nº 1 (1967) de Marlos Nobre[13] e Quarteto Nº 17 (1957) de Villa-Lobos, além de Rubaiyat (1929) do espanhol Adolfo Salazar; o segundo, no dia 25 de outubro, apresentou a obra Quarteto Nº 1 (1955) do brasileiro Edino Krieger, além do Cuarteto de Arcos, opus 19 (1950-51) do argentino Roberto García-Morillo e o Cuarteto Nº 1 (1934) do espanhol José Muñoz-Molleda. De acordo com Moro Vallina (2012, 157), o segundo programa apresentado pelo grupo brasileiro ofereceu a mostra mais tradicionalista de todo o festival de 1967, com obras de cortes neoclássicos e nacionalistas. O concerto de encerramento com a Orquestra Nacional da Espanha e o Coro da Rádio Televisão Espanhola (RTVE) sob regência do mexicano Carlos Chávez contou com a Sinfonia Nº 8 (1963) de Cláudio Santoro, um importante destaque para a representação brasileira no evento.

A terceira e última edição, em 1970, foi, segundo a leitura de Moro Vallina (2012), um resumo das anteriores, com uma programação mais concisa que contou com 44 obras representando 14 países, um a mais que no ano anterior, por meio da representação boliviana do compositor Alberto Villalpando. As disputas estéticas entre tradicionalismo e vanguardismo seguiram ao longo de todas as edições do evento, porém, nesta, a polarização se acentuou na mesma medida em que, segundo Vallina (2012, 159), houve uma seleção de obras atuais menos afortunada. A presença de repertórios do período renascentista e de estéticas neotonais se confrontou com obras de linguagem mais experimentais, como da música aleatória ou eletroacústica. Essa edição contou com a participação de Gilberto Mendes com sua obra Blirium A9 (1965) tocada pelo grupo Alea sob regência de Alcides Lanza dentro de uma programação que contou ainda com obras de compositores vanguardistas como Alfredo del Mónaco (Venezuela), Mesías Maiguashca (Equador/Alemanha), John Cage (EUA), Alcides Lanza (Argentina/Canadá), Edgar Valcárcel (Peru) e Gonzalo de Olavide (Espanha).

Nesta edição houve ainda a apresentação da obra Cantus Creationis (1968) de José Antônio de Almeida Prado, Concerto para Piano e Orquestra Nº 1 em Dó Maior (1945) de Villa-Lobos e Variações e Fuga para Instrumentos de Sopro de Osvaldo Lacerda.[14]

Moro Vallina (2012, 143) considera o Festival de Música de América y España como “uma das manifestações musicais mais importantes do Desenvolvimentismo Franquista”,[15] apontando que este e outros festivais foram utilizados pelo governo ditatorial de Franco para sua autopromoção. O autor pondera dois aspectos por trás do Festival: por um lado, ele gerou “uma verdadeira corrente de intercâmbio entre compositores, intérpretes e críticos musicais de ambos os lados do Atlântico”;[16] por outro, proporcionou “a oportunidade perfeita para que o Regime promovesse uma imagem da Espanha como depositária de um legado cultural hispano-americano supostamente uniforme” (Moro Vallina 2012, 144).[17] Pode-se observar que o governo espanhol empreendia, por meio desse festival, um projeto de dominação cultural sobre a América Latina a partir da suposição de uma “hispanidade” que seria compartilhada por todas as ex-colônias. Essa noção está bem delineada no discurso de Fernando Ruiz-Coca,[18] após a finalização da primeira edição: “a humildade esteve presente; estamos descobrindo um novo sentido para a hispanidade no qual o aprendizado há de estar em valorizar o que nós, os espanhóis, devemos à nossa América” (apud Moro Vallina 2012, 161).[19]

Em outras palavras, trata-se de uma espécie de colonialismo cultural moderno, no qual as identidades das nações latino-americanas deveriam submeter-se a um sentido maior e mais profundo de uma suposta hispanidade como um legado deixado pelos colonizadores:

Sem dúvida, a política de boa vontade por parte dos organizadores não escondia o afã do Regime de legitimar perante a Europa a noção da Espanha como uma cabeça de um império transatlântico com uma história, tradição e uma suposta raça em comum, realizando uma fusão entre a concepção totalitarista do Estado e o catolicismo, agente fundamental na expansão colonial durante o século XVI (Moro Vallina 2012, 161).[20]

Essa intenção colonialista pode ainda ser vista na forma como a figura de Manuel de Falla foi posicionada na primeira edição do Festival como a figura máxima da hispanidade:

Essa mostra supunha reforçar sobre o continente americano a figura mais emblemática do nacionalismo essencialista espanhol [...]. O marco internacional que o Festival supunha necessitava de uma figura suficientemente simbólica como que para reforçar a preeminência espanhola no complexo cultural hispano-americano (Moro Vallina 2012, 150).[21]

Ou ainda de modo mais explícito na exibição de um programa de música renascentista espanhola sob o título de “La música del tiempo del descubrimiento de América” apresentado na última edição do evento.

Todos esses exemplos muito bem esmiuçados por Daniel Moro Vallina demonstram a teia de relações e interesses ideológicos por trás do evento, o que, se de modo algum lhe anula o feito de aproximar a música latino-americana e espanhola, nos revela que as intenções iam além de uma simples integração entre as partes. Na sequência, trazemos a percepção de Gilberto Mendes sobre sua participação na última edição do Festival de Música de América y España e como isso impactou na presença mais marcante de compositores latino-americanos (e também espanhóis) no Festival Música Nova.

IV. Um “congraçamento” latino-americano

Gilberto Mendes comenta longamente sobre sua participação no Festival de Música de América y España de 1970 na série de vídeos 90 anos, 90 vezes Gilberto Mendes produzida em 2012 por seu filho Carlos de Moura Mendes em comemoração aos seus 90 anos.

O compositor inicia apontando que achou curioso o fato de o festival não ter incluído Portugal em sua programação, considerando as boas relações entre os dois países:

Um festival curioso porque basicamente espanhol, mas eles queriam que fosse da Espanha e América, mas no caso da América, poderia ser também América não-espanhola, então entravam também Estados Unidos e Canadá... e o Brasil, que também não fala a língua espanhola. Curiosamente não entrava Portugal, que é vizinho da Espanha e tem uma vida cultural muito relacionada; eu até senti um certo aborrecimento da parte do compositor Jorge Peixinho, muito amigo meu de Portugal, que foi a Madri assistir esse festival e Portugal não estava lá representado (Mendes 2012, episódio 63).

É provável que Gilberto Mendes não tenha percebido as intenções ideológicas por trás do Festival apontadas por Moro Vallina, em que a presença de Portugal poderia gerar conflito sobre um projeto de estabelecimento da cultura e identidade espanhola sobre a América Latina.

O compositor considera que o Festival foi decisivo para que os compositores latino-americanos passassem a se conhecer, pois, em sua leitura, até aquele momento não havia um intercâmbio efetivo da música de vanguarda latino-americana:

O importante foi que nós daqui da América Latina, que mal nos conhecíamos, ficamos, da noite para o dia... todo mundo se conheceu ali, o que daria futuramente [...] num grande congraçamento da música latino-americana, principalmente frente às ditaduras que já tínhamos algumas e já estavam se esboçando outras (Mendes 2012, episódio 63).

Ao falar desse congraçamento entre compositores latino-americanos como algo inédito, Gilberto Mendes está naturalmente partindo de sua própria experiência como um compositor brasileiro. Como se sabe, a diferença linguística entre o Brasil e os demais países da América Latina – ainda que transponível – impõe certas dificuldades na aproximação entre ambos. De todo modo, ao menos para Gilberto Mendes foi um momento que lhe abriu uma janela para a música produzida nos países vizinhos. A partir desse encontro, Gilberto Mendes manteve contato com diversos compositores, desenvolvendo amizades mais profundas com alguns deles, como foi com os argentinos Alcides Lanza, que regeu sua música Blirium A9 no Festival, e Jacobo Romano, que se tornaria seu amigo e lhe apresentaria o pianista Jorge Zulueta, os quais foram trazidos várias vezes ao Festival Música Nova:

O bom disso tudo é que, – eu que vivi num passado mais distante, completamente desligado do que seria uma música latino-americana – da noite pro dia fiquei conhecendo todo mundo, pelo menos os principais de cada um desses países, eu fiquei amigo deles, no mínimo de trocar correspondência, mandarem uma obra pelo correio para que eu pudesse tocar no Festival, e eu senti que se formava, assim, um certo movimento de congraçamento da música das Américas de vanguarda, porque as Américas todas elas tiveram, como o Brasil teve, um movimento muito nacionalista (Mendes 2012, episódio 64).

Na citação anterior, Mendes reforça a importância de um intercâmbio entre músicos de vanguarda latino-americanos diante da realidade compartilhada por esses países da presença marcante – e em sua maioria, dominante – dos nacionalismos. Assim, em sua compreensão, o Festival de Música de América y España fomentou uma “consciência continental” que abriu espaço à criação, em 1971, dos Cursos Latinoamericanos de Música Contemporánea (Mendes 2012, episódio 65). Na verdade, não há qualquer evidência sobre essa relação, inclusive dada a ausência de Coriún Aharonián ou Conrado Silva no Festival madrilenho. Porém, Gilberto Mendes foi sagaz em compreender que, independentemente de uma relação causal, havia certa movimentação em torno de uma consciência latino-americana que vinha se intensificando e que, de fato, teve nos Cursos Latinoamericanos de Música Contemporánea seu ponto máximo naqueles anos.

Além do intercâmbio latino-americano, Gilberto Mendes também comenta sua aproximação com a música de vanguarda espanhola. Ele já conhecia Tomás Marco desde 1962 dos Cursos de Férias para a Música Nova de Darmstadt, e neste festival também conheceu Luis de Pablo e Ramón Barce, posteriormente levados ao Festival Música Nova.

Em uma entrevista na época, Gilberto Mendes destacou o impacto que a música latino-americana causou entre os europeus presentes no Festival, reforçando uma originalidade na nossa produção que não se configurava como simples cópia da música europeia:

Foi muito importante que os compositores da América, principalmente da América Latina, se conhecessem. Esse festival provou que o futuro da música erudita está aqui, embora atualmente o centro da vanguarda seja Darmstadt, na Alemanha, onde mora Stockhausen. Os latino-americanos forma uma segunda frente, menos acadêmica que a europeia. Uma prova disso foi o que aconteceu nos debates: todo mundo falava da situação da música em seu país, e eu falei também. Falei de um trabalho que fiz em Brasília, mas que não podia ser mais reproduzido porque eu não havia anotado nada. Que inclusive eu achava que não se devia anotar nada. No começo, houve uma forte reação do pessoal de formação europeia, que acha que suas obras e seu nome devem passar para a posteridade. E no final, quase todos aderiram. Stockhausen nunca aceitaria isso (Mendes 2014, 39).

Nesse depoimento, Gilberto Mendes demonstra sua compreensão sobre a posição da América Latina diante da música contemporânea “ocidental”, não mais como epígonos da música europeia e estadunidense, mas antes, como proponentes de uma nova realidade musical a partir de um contexto político e sociocultural completamente diferente. Nesse discurso, vemos um posicionamento seguro e até rebelde, de não se curvar à atitude colonizadora que estava por trás do Festival. Esse posicionamento foi maturado ao longo de 8 anos, desde sua participação pela primeira vez nos cursos de Darmstadt em 1962, em que Mendes e seus companheiros voltaram decididos a fazer uma música de vanguarda originalmente brasileira, noção reforçada no “Manifesto Música Nova” publicado no ano seguinte. Assim, Gilberto Mendes já se posiciona neste Festival como alguém que tem algo a dizer, algo a contribuir para o debate.

Como mencionado anteriormente, Blirium A9 de Gilberto Mendes foi a representante brasileira mais radical dentre as programadas em todas as edições do Festival. Blirium A9 é a primeira de uma série de Bliriums, obras aleatórias em que não há uma partitura pronta, mas apenas instruções para que os próprios músicos construam suas partituras. [22] Com isso, Gilberto Mendes diz que compôs “uma música que não existe” (Mendes 2015).

Compus não a música, mas a “máquina” de fazer música. Deixei para o intérprete a composição da música, por meio da “máquina” que inventei, pelo jogo das possibilidades combinatórias, que ela lhe permite, dos dados da “programação” estabelecida por mim (Mendes 1994, 85).

Assim, por meio de instruções textuais, Gilberto Mendes indica alguns parâmetros e oferece exemplos de como o próprio músico deve organizar o material musical, o que significa que cada interpretação dessa obra é única e absolutamente diferente de qualquer outra, considerando o procedimento aleatório delegado aos músicos. Além disso, outro aspecto importante nessa série de obras é a abertura à citação de outras músicas, o que faz com que a peça resulte em um mosaico de sons dentre os quais o público poderá eventualmente reconhecer pequenos fragmentos de músicas de seu conhecimento. Sobre esse aspecto, Tomás Marco escreveu, no jornal madrilenho Arriba, que em Blirium A9 “se origina uma polifonia estilística e uma série de citações e colagens que têm um alto interesse do ponto de vista da semântica musical” (apud Mendes 1994, 91).[23] Com essa obra, Gilberto Mendes teve uma participação marcante no Festival de Música de América y España, o que lhe rendeu contatos sobretudo com a ala que comungava desse pensamento musical mais vanguardista.

Suas impressões sobre o Festival aqui apresentadas são importantes não somente como o ponto de vista de um mero participante do evento, mas sobretudo pela sua condição de produtor de um festival de música de vanguarda. Mendes foi capaz de reconhecer a diversidade musical latino-americana presente no evento, estreitou laços com aqueles alinhados ao seu pensamento e logrou dar continuidade a esse intercâmbio no Festival Música Nova. Como veremos a seguir, a partir da década de 1970, a presença latino-americana em seu festival aumentará exponencialmente.

V. A virada latino-americana no Festival Música Nova a partir de 1970

O levantamento realizado nas fontes primárias, especialmente nos programas de concertos, nos revelou uma evidente mudança de direção no Festival Música Nova a partir da década de 1970. As relações estreitadas em Madri resultou em um significativo e constante aumento da presença de figuras da música latino-americana – intercâmbio que se intensificou ainda mais com a criação dos Clamc.

Em 1971, Gilberto Mendes inclui obras de dois compositores conhecidos durante o Festival em Madri: de Alicia Terzian, apresenta, em primeira audição brasileira, a obra Shantiniketan (1969), tocada pelo flautista Rubem Bianchi; e do venezuelano Alfredo del Mónaco, seu Estudo Eletrônico Nº 2 (1970), num concerto de música eletrônica que ainda contou com obras de Mesias Maiguashca, José Vicente Asuar e Augusto Schmidt, com comentários do próprio Gilberto Mendes (Figura 2).

Figura 2 / Programa do 7º Festival Música Nova, 1971. Fonte: Arquivo Madrigal Ars Viva.

Também houve, pela primeira vez, a presença de obras do mexicano Mario Lavista, com Pieza para un(a) pianista y un piano (1970) e do argentino Oscar Bazán, com Melodía para un amor (1959). Ainda participaram o argentino Rufo Herrera com Ensaio e o uruguaio Conrado Silva com a estreia mundial de Parasexteto (1969), ambos compositores já fixados no Brasil, sendo o último um grande colaborador de Gilberto Mendes e figura frequente no Festival Música Nova, além de um dos realizadores dos Clamc. Ainda nesta edição, houve forte presença da música espanhola; ouviram-se Miríades de Tomás Marco, Canadá-trio (1968) de Ramón Barce e We e Tamaño Natura, de Luís de Pablo. Todas essas obras foram estreias brasileiras.

Em 1972, Gilberto Mendes introduziu no Brasil o grupo formado por Jacobo Romano, Jorge Zulueta e Margarita Fernández (Argentina), que posteriormente viria a chamar-se Grupo de Acción Instrumental. Esse grupo era marcado por uma linguagem interdisciplinar que ultrapassava a dimensão esritamente sonora na performance musical, trabalhando com audiovisual, teatro, artes visuais e frequentemente com uma dimensão crítica musicológica. O grupo participou com uma mostra audiovisual em que apresentaram duas produções próprias sobre Mauricio Kagel e John Cage, com comentários de Margarita Fernández e Jacobo Romano, e um concerto de Jorge Zulueta com obras de Juan Carlos Paz, George Antheil e Schoenberg (figura 3). No ano seguinte, o grupo retornou ao Brasil, dessa vez para uma turnê que envolvia, além de São Paulo, Salvador, Brasília e Rio de Janeiro. O grupo ainda viria ao Brasil mais vezes com seus novos espetáculos, mantendo sempre uma forte relação de amizade com Gilberto Mendes.

Figura 3 / Programa do 8º Festival Música Nova, 1972. Fonte: Arquivo Madrigal Ars Viva.

 

Também em 1973, Gilberto Mendes trouxe ao Brasil pela primeira vez o argentino Alcides Lanza, que vivia no Canadá e que foi responsável pela apresentação de seu Blirium A9 no Festival de Música de América y España em 1970. Nessa edição, Lanza apresentou um programa inteiro de música eletrônica e piano, com participação da atriz-cantora canadense Meg Sheppard (Figura 4).

 

Figura 4 / Programa do 9º Festival Música Nova, 1973. Fonte: Arquivo Madrigal Ars Viva.

Gilberto Mendes e Lanza ficaram muito amigos e, segundo Mendes (2012), todo ano que Lanza ia visitar sua família na Argentina, ele aproveitava para participar do Festival Música Nova em Santos, de modo que este passou a ser um nome frequente no Brasil graças ao encontro ocorrido em Madri.

Neste ano houve ainda um programa de violão apresentado por Henrique Pinto com estreias brasileiras e mundiais do compositor uruguaio Abel Carlevaro, além de obras de Angelo Gillardino e Heitor Villa-Lobos. Ainda nessa edição foi apresentado, pela primeira, vez o Núcleo Música Nueva do Uruguai, com um programa todo dedicado à música eletrônica latino-americana comentado por Coriún Aharonián, marcando a primeira participação do uruguaio no Festival Música Nova (Figura 5).

Figura 5 / Programa do 9º Festival Música Nova, 1973. Fonte: Arquivo Madrigal Ars Viva.

Ainda com o Núcleo Música Nueva, participou o compositor Héctor Tosar tocando obras suas ao piano. A edição de 1973 marcou um diálogo intenso com a música contemporânea uruguaia.

Nos anos seguintes, percebe-se a constância da participação de compositores latino-americanos ou ao menos a presença de suas obras no Festival Música Nova. Nesse sentido, podemos afirmar que, a partir do Festival de Música de América y España, Gilberto Mendes conseguiu integrar a música latino-americana de vanguarda à vida musical brasileira, realizando seu desejo de estreitar laços entre o Brasil e os demais países da região.

VI. Considerações finais

Se na edição de 1968 do Festival Música Nova Gilberto Mendes já chamava por uma frente unida das vanguardas musicais latino-americanas, foi a partir do Festival de Música de América y España em 1970 que esse desejo começou a se concretizar mais enfaticamente em seu evento. A partir de então, percebe-se uma virada latino-americana no Festival, com a apresentação de programas inteiramente dedicados à música dos países vizinhos, bem como o esforço para levar alguns desses compositores ao evento para dar cursos e palestras. A investida por uma união latino-americana irá, sem dúvidas, encontrar sua expressão máxima na criação dos Cursos Latinoamericanos de Música Contemporánea, que, de certa forma, canalizou essa movimentação em um evento que, de fato, atravessava as fronteiras nacionais, inclusive em sua realização itinerante.[24]

Não se trata de encontrar uma relação de causa e efeito entre um evento e outro, afinal, cada um teve suas próprias dinâmicas, finalidades e interesses. O que se busca destacar aqui é como havia uma vontade de integração pairando sobre esses compositores, desejosos de se reconhecer e vislumbrar sua identidade latino-americana.

Não deixa de ser curioso constatar que foi necessário um evento fora da América Latina para promover o encontro, ou, como diz Gilberto Mendes (2012), o congraçamento entre compositores e músicos latino-americanos. Esse fato se explica pelas condições infra-estruturais e financeiras vivenciadas pela América Latina naqueles anos de fragilidade das políticas culturais. Nesse sentido, Gilberto Mendes e outros compositores latino-americanos souberam se beneficiar desta oportunidade para colocar em pé um projeto de emancipação cultural. Há, nesse movimento, uma espécie de subversão: de um festival estruturado para ostentar uma perspectiva colonialista de hispanidade são subtraídas as ferramentas para criar sua antítese, ou seja, um fortalecimento das identidades latino-americanas pós-coloniais.

No Brasil, Gilberto Mendes foi um dos pivôs no estabelecimento dessa rede de intercâmbio entre músicos latino-americanos, devido à sua posição como produtor de um evento da importância do Festival Música Nova. Sua atuação proporcionou uma circulação da música de vanguarda latino-americana no país que até então era inexistente. Por outro lado, isso também lhe permitiu ficar conhecido entre seus pares e participar de atividades pelos países vizinhos.

Por fim, destacamos a importância das redes de sociabilidade para o estabelecimento de espaços de intercâmbio para a música contemporânea latino-americana. Essa união se reforçou politicamente ao fazer frente às ditaduras espalhadas por todo o continente, mas além disso, foi decisiva para a emancipação estética da música realizada na América Latina.

Arquivos consultados

Acervo Madrigal Ars Viva (Santos/SP)

Centro de Memória das Artes do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto/SP). Acervo Gilberto Mendes.

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Notas

*Este trabalho é resultado de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2018/04308-3.

[1] Juan Carlos Paz e Curt Lange desenvolveram longo intercâmbio de ideias, como pode ser atestado no volume epistolar presente no Acervo Curt Lange, sediado na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Uma interessante leitura sobre o conteúdo dessas cartas é realizada por Ana Cláudia Assis e Susana Castro Gil (2019).

[2] Para um aprofundamento maior sobre o Claem, ver Vázquez 2015.

[3] “en las antípodas del autoritarismo hegemónico y el sofisticado divismo de los Cursos Internacionales de Verano de Darmstadt”. [Tradução do autor para esta e as seguintes citações].

[4] Para um melhor entendimento sobre os Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea, recomenda-se a consulta ao exaustivo trabalho de documentação realizado por Graciela Paraskevaídis entre 2009 e 2014 e disponibilizado em http://www.latinoamerica-musica.net, na guia “história”. Destacam-se também os trabalhos mais recentes de Monteiro da Silva e Zani (2020) e Corrado (2020).

[5] Os programas de concertos consultados fazem parte do acervo do Madrigal Ars Viva, sociedade musical criada em Santos em 1961 e que serviu de base para a criação e realização do Festival Música Nova durante décadas. Agradecemos ao maestro Roberto Martins que permitiu acesso ao acervo e à compositora e pesquisadora Denise Garcia pela compilação e disponibilização dos programas das edições de 1962 a 2001.

[7] Além dos membros citados, o Manifesto Música Nova foi assinado por Alexandre Pascoal, Júlio Medaglia, Régis Duprat e Sandino Hohagen.

[8] Para uma compreensão mais aprofundada sobre o concretismo nas artes plásticas brasileiras, ver Amaral 1977 e Couto 2004.

[9] Villa-Lobos representa um ponto fora da curva para esses compositores. Gilberto Mendes o compara a Stravinsky ao afirmar que, tal qual o russo, Villa-Lobos utilizava o folclore para fazer uma música cosmopolita, e não nacionalista (Mendes 2009). A música de Villa-Lobos figurou frequentemente nas edições do Festival Música Nova.

[10] Néstor García Canclini (2019) explica o descompasso entre modernização econômica e modernismo artístico na América Latina não como um fator de atraso em relação às metrópoles, mas antes, como uma característica própria desta região em que coexistem a tradição e a modernidade, o local e o global.

[11] “se valoró más por su internacionalidad y por haber logrado una continuidad real con respecto al anterior”.

[12] Atualmente, Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

[13] A obra de Marlos Nobre foi uma encomenda da Rádio do Ministério da Educação e Cultura do Brasil (MEC).

[14] Não encontramos referência a esta obra no catálogo do compositor.

[15]  “una de las manifestaciones musicales más importantes del Desarrollismo Franquista”.

[16] “una verdadera corriente de intercambio entre compositores, intérpretes y críticos musicales de ambos lados del Atlántico”.

[17] “la oportunidad perfecta para que el Régimen promocionase una imagen de España como depositaria de un legado cultural hispanoamericano supuestamente uniforme”.

[18] Fundador e diretor do “Aula de Música del Ateneo de Madrid” e representante do jornal El Alcázar. Sobre sua atuação no meio musical madrilenho, ver: Vicent López 2011.

[19] “la humildad ha estado presente; estamos descubriendo un nuevo sentido a la hispanidad en el que el aprendizaje ha de estar en valorar lo que nosotros, los españoles, debemos a nuestra América”.

[20] “Sin embargo, la política de buena voluntad por parte de los organizadores no escondía el afán del Régimen de legitimar ante Europa la noción de España como cabeza de un imperio transatlántico con una historia, tradición y una supuesta raza comunes, realizando una fusión entre la concepción totalitarista del Estado y el catolicismo, agente fundamental en la expansión colonial durante el siglo XVI.”

[21] “Esta muestra suponía afianzar ante el continente americano la figura más emblemática del nacionalismo esencialista español […]. El marco internacional que suponía el Festival necesitaba de una figura suficientemente simbólica como para reforzar la preeminencia española en el complejo cultural hispanoamericano.”

[22] Blirium A9 (1964) para 12 cordas; Blirium B9 (1965) para 12 instrumentos diferentes, sem cordas; Blirium C9 (1965) para 1, 2 ou 3 teclados, ou 3 a 5 instrumentos da mesma família, ou para uma dessas possibilidades acrescida de percussão, no máximo 6 instrumentos de timbres diferentes; Blirium D9 (1973) para 12 vozes solistas e piano sobre poemas concretos do Grupo Noigandres e um poema de Ezra Pound; Blirium Total (sem data), em que todas as versões são apresentadas simultaneamente em diferentes pontos do teatro ou sala.

[23] “se origina una polifonía estilística y una serie de citas y collages que tienen un alto interés desde el punto de vista de la semántica musical”.

[24] Cabe ressaltar que o Brasil foi o país que mais sediou edições dos CLAMC; das quinze edições, seis aconteceram no país. Embora Gilberto Mendes não tenha participado diretamente da organização dos CLAMC, percebe-se, por meio da correspondência trocada com Coriún Aharonián, um intenso diálogo entre os compositores a respeito da realização de seus eventos. Assim, é notória a maneira como o Festival Música Nova e os CLAMC nutriam-se mutuamente.


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Magre, Fernando de Oliveira. 2022."'Por uma frente unida das vanguardas musicais latino-americanas': a virada latino-americana no Festival Música Nova a partir do III Festival de Música de América y España". Resonancias 26 (50): 77-98.

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